Estima-se que 1% da população mundial seja celíaca, segundo os dados da organização mundial de saúde (OMS) e a maioria ainda estão sem diagnóstico.
Olá, eu sou Paula Marques, brasileira, casada com Derival, mãe de 2 filhos, Luisa de 11 anos e Samuel de 8 anos, e a convite da minha querida amiga de infância Aline vim aqui compartilhar um pouco da nossa história, de como foi descobrir a restrição alimentar.
Sabem, o amor de mãe é algo tão lindo e inexplicável que só quem é pode entender, tudo muda depois que se é mãe, é incrível como nossas prioridades e pensamentos mudam em um estalar de dedos, ou melhor, depois que aquele serzinho tão pequeno e delicado é colocado em nossos braços.
Tantos pensamentos, planejamentos, expectativas, tantas emoções que não cabem no peito, a gente agradece infinitas vezes “obrigada Deus por me proporcionar viver isso”, e em outros momentos oramos por paciência rsrsrs ...... ahh porque o dia a dia de uma mãe é bem corrido, não é mesmo?
Minha vida de mãe não foi igual a das outras mães que eu conheço, não por eu ser diferente, melhor ou pior, eu sempre sentia que era mais trabalhosa. Por muitos anos eu não entendia isso, sempre me questionava.
Quando Luisa nasceu e se iniciou a introdução alimentar percebi que algo estava errado, ela ficava com o abdômen bem distendido, mas não reclamava de absolutamente nada, não chorava, mas por outro lado ficava gripada com muita frequência, gripes severas, acho que ficava boa uns 10 dias no mês, o restante eram visitas ao PA e remédios. Também vomitava com muita facilidade, e o vômito dela não era normal, quando ela vomitava simplesmente dava-se para ver cada refeição do dia no vômito, não fazia a digestão e isso me deixava muitíssimo preocupada, comentava com os pediatras todo esse histórico, sim, no plural, passamos por vários pediatras, tentando buscar uma resposta e nada, diziam que era normal, que o abdômen distendido era o biotipo dela, enfim, era desesperador porque meu radar de mãe me dizia que não era normal aquilo.
Por volta de 2 anos e 11 meses Samuel nasceu, mesmo quadro, ao iniciar a introdução alimentar dele também ficava com o abdômen distendido, porém ele gritava de dor, se contorcia, ficava febril e vomitava muito, desesperados, corríamos para o médico e exames daqui, raios x dali, ressonâncias acolá, e nada vezes nada, ele tinha uma crise dessas pelo menos 2 vezes no mês, e cada vez mais fortes; enquanto Luisa sem reclamar de nada, continuava com o abdômen distendido, e eu enlouquecendo tentando descobrir.
Quando Samuel completou 3 anos de idade eu notei que ele era menor que as outras crianças de sua faixa etária, e novamente vai a mãe “louca” conversar com o pediatra sobre isso, ele disse que cada criança tem seu pico de crescimento, que era normal, mas eu insisti tanto que ele me encaminhou a uma endocrinologista pediátrica, Dra Ana Paula Nince, um anjo em nossas vidas, para fazer os exames hormonais e verificar tudo, e pela graça de Deus além destes ela pediu um exame chamado antitransglutaminase, e este estava 10 vezes mais alterado que o normal, então houve uma suspeita de doença celíaca (a baixa estatura, distensão abdominal é 1 dos 365 sintomas associados a doença celíaca) enfim, uma luz no fim do túnel, porém não era com ela e sim com outro profissional, um gastropediatra para continuar a investigação. Aproveitei para consultar Luisa também e descobrimos que ela tinha Tireoidite de Hashimoto (doença autoimune), e iniciamos o tratamento dela - mas a questão do abdômen distendido não tem nada a ver com a disfunção da tireóide.
Na época não havia um gastropediatra experiente nesta área na minha cidade, então fui para Brasília na UNB consultar com a Dra Lenora Gandolfi, referência no país em doença celíaca, e ela fez o protocolo de investigação da doença e batata, eis a resposta de tudo, Samuel é celíaco. Por conta deste diagnóstico todos os parentes de primeiro grau devem fazer os exames também, então eu, meu esposo e Luisa fizemos e deu “negativo”.
Mas fizemos esses exames não de imediato, demorou 1 ano. Depois explico mais para frente o nosso resultado. Agora que raio de celíaco é isso? Vou explicar!
Doença celíaca é uma desordem imunomediada, ela é ativada em qualquer momento da vida, é sistêmica, ataca qualquer parte do organismo, ela se desencadeia pela ingestão de glúten e afeta indivíduos com predisposição genética.
O glúten é uma proteína presente no trigo, na cevada, no centeio, no malte e nas aveias não certificadas, pois sofrem contaminação cruzada.
Sabe aquela sopinha inocente que fazemos para os nossos filhos com verduras, legumes e macarrão? pois bem, esse macarrão, assim como os pãezinhos, bolachas, bolos, tortas, molhos eu comprava e fazia tudo isso para eles com farinha de trigo, eu estava dando “veneno” para eles sem saber, digo veneno porque o glúten para um celíaco é como se fosse.
Com o diagnóstico de doença celíaca de Samuel fiquei mais aliviada pois agora compreendi o quê era o responsável por todo aquele sofrimento, não que eu tenha ficado feliz com isso, antes não fosse, mas por outro lado conhecia o inimigo e sabia como combatê-lo.
Tiramos o glúten, eu preparava a comida dele separada da nossa e só o fato dele não comer diretamente o glúten já melhorou da distensão abdominal, não teve mais crises de dores. Nós três, eu, meu esposo e Luisa, continuamos a comer glúten e ter alimentos na nossa despensa com essa proteína.
Mal sabia eu da contaminação cruzada, não adiantava nada tirar dele, mas ter o glúten na casa, usar os mesmos utensílios; ele podia ter melhorado dos sintomas visíveis, mas seu organismo ainda continuava a ser atacado, porém fui descobrir isso muito tempo depois.
Em relação ao resultado “negativo” meu, da minha filha e do meu esposo que mencionei acima era um “falso negativo”.
Negativou porque após saber da contaminação cruzada eu retirei tudo, todos em casa não comemos mais glúten para dar apoio a Samuel e lhe garantir segurança, e ao fazermos o antitransglutaminase sem comer glúten deu esse resultado mascarado, e paramos aí a nossa investigação.
Só que por ser uma doença genética, de alguém Samuel herdou, não existe celíaco sozinho em uma família, pode investigar que vai encontrar mais.
E por eu ter sintomas também, que eram: quedas de cabelo, insuficiência de vitaminas, anemia, períodos de raciocínio lento, quadro depressivo, fadiga, anos peregrinando tratando só os problemas e não a raiz deles, e Luisa com a distensão e desenvolveu Hashimoto e depois Doença de Graves ( que também são consequências da doença celíaca; isso tudo eu descobri sozinha lendo artigos científicos, pesquisa no Google e participando de comunidades de celíacos, e confirmados depois pelos gastros), demos sequência à investigação, terminamos o protocolo e enfim descobrimos que somos celíacas, nossa biópsia do intestino delgado, duodeno e pesquisa genética confirmaram. Consegui fechar o diagnóstico de Luisa aos 9 anos e eu aos 32 anos de idade. Meu esposo tem predisposição genética, mas não desenvolveu a doença.
Em consequência do diagnóstico tardio Luisa tomará remédio pra vida inteira (tireóide) e Samuel está fazendo uso de somatropina (hormônio de crescimento) até quando for necessário. Eu estou lutando para recuperar a total estabilidade do meu organismo, o processo é lento, mas vou conseguir, eu tenho fé.
Na realidade eu não gosto de chamar de doença porque não somos doentes, o celíaco fica doente comendo glúten, pode desenvolver outras autoimunes, ter sequelas em qualquer parte do organismo, desenvolver um câncer ou levar a óbito por isso, mas a partir da descoberta e retirada do glúten você recupera a saúde, porém em alguns casos as vezes é tarde. Então gosto de dizer condição celíaca.
Não é nada fácil, após o diagnóstico tem várias fases a se passar, todas elas são importantes e necessárias, e cada pessoa e organismo leva um tempo.
Primeiro é a aceitação, até cair a ficha vai chão, pois tudo muda, sua vida vira de cabeça para baixo, tem que trocar a cozinha inteira para se livrar do glúten, sim, trocar tudo que seja de plástico, madeira, silicone, teflon, tecido, eletrodomésticos, é um recomeço.
Depois você se organiza para ficar saudável, entendendo tudo você passa a se cuidar. Não tem medicamento, o único tratamento comprovado até agora é a exclusão do glúten da alimentação.
Por fim a militância, você se torna agente de conhecimento e propagador da causa, porque assim como nós levamos anos para descobrir o quê nos acometia, muitos estão na mesma situação.
Podíamos não ter essas sequelas se fosse descoberta precocemente? podíamos, quem sabe, faltou um olhar mais atencioso dos médicos que passamos, mas enfim, já foi, agora sacode a poeira e seguir, sem mimimi.
Eu só tenho certeza de uma coisa: “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Romanos 8:28
E eu sou grata a Deus por tudo, porque sei que Ele tem o controle de todas as coisas, todo esse tempo Ele tem nos guardado e guiado.
Meu desejo é que mais pessoas tenham acesso ao diagnóstico precoce, é mais comum do que muitos pensam, e que a nossa história ajude alguém de alguma forma.
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